31.1.07

Estou me guardando pra quando o carnaval chegar...

A manchete online da Folha de S. Paulo estampava ontem em primeira página que o assassino do cinema - aquele, que matou três em um cinema de São Paulo, em 1999 - teria sua pena escandalosamente reduzida em 60 anos.
Cumpriria 49, ao invés de 110.

Um homem em São Paulo sai de casa neste exato instante logo após ter lido a mesma manchete no jornal. Convencido pelo medo, traz consigo, pendurado em um cinto de couro avermelhado, já desgastado pelos anos, um revólver, calibre 38.

Chegando em seu ponto de ônibus habitual, espera impaciente por 23 minutos. Parece uma eternidade.

30.1.07

O teatro esquecido de nós para nós mesmos


Após uma longa reprise do dia em minha mente, saio do banho murmurando versos aleatórios. Estava um pouco desconfiado de que havia, enfim, perdido minha habilidade de falar. Bom, não de falar. Eu digo, de colocar palavras ordinárias em uma sequência tal que possa, ao menos por alguns, ser chamada de espetáculo. Aquilelas coisas que pasmam.

Acho que trato minha existência como se fosse uma constante ameaça de esquecimento. Ajo como se tudo o que sou possa ser esquecido a qualquer instante. Já está se esquecendo. Minha vida é um constante ato de lembrar. Ou de conhecer de novo. Reinventar o que não pode ser lembrado.
Tenho em mente uma imagem de um prédio de um bilhão de andares. Coloco um tijolo. Esbarro no do lado, que derruba com ele mais dois. Coloco mais quatro, derrubando mais três.
Geralmente me satisfaço quando chego ao orgasmo poético, no quarto ou quinto verso aleatório — aquela sensação de conquista do verso perfeito que transforma o indivíduo no ser humano mais forte do universo, ainda que por três segundos. Um único verso, que existiu para ser belo. E foi belo para ser esquecido. Jamais será escrito.
Não encontro o verso.
Ando pela casa. Enquanto meu cérebro mantém meu corpo em movimento burocrático, colhendo segundas vias de um cotidiano registrado em cartório, eu vasculho minhas memórias. Quero frases inesperadas.
Subitamente, me deparo com o espelho. Continuo a andar, como se não me importasse. Solto uma frase de um filme que não é meu. Agora, é como se o filme se fundisse com aquele momento solto de uma rotina entediante, ou como se a rotina entediante se fundisse com um momento vago do filme. Acho que o belo é alterar o significado de um instante ao penetrá-lo com outro.
A sala era escura. Já era noite, e as luzes estavam apagadas mais por preguiça do que por capricho. Um sofá, duas mesas, algumas cadeiras e uma televisão, pareciam ter sido organizados milimetricamente, como que querendo aproveitar o espaço em todas as suas possibilidades. O espelho - fatiado em três pedaços, como que para refletir uma visão esquartejada do mundo - era estreito e alto, e estava preso na parede, do lado esquerdo da porta que dava para a cozinha.
Os filmes, em geral, garantem o significado de seus instantes por meio de paisagens, cores e trilhas sonoras. A vida altera o significado de seus instantes ao tropeçar em imagens que o cinema do acaso insiste em passar. Bom, não que o cinema do acaso seja o único. Na rua dos nossos cérebros, existem vários outros, muito menos casuais.
Sobre a fusão de imagens, acho que ainda durou mais alguns instantes. Continuei andando e o som do meu pé se arrastando no carpete da sala me lembrou do chão e, com ele, do próximo passo-atrás-de-passo que o dia-atrás-de-dia exige. Volto a minha realidade nua, e sinto sede. Quero beber água e percebo que estou procurando por um copo no armário errado.
Ando em círculos pela cozinha pois já não lembro o que procurava. Tomo consciência da peculiaridade do fato. Invento uma platéia, um eu-em-multidão, que vê nisso um espetáculo. Aplaudo minha própria cena insólita como se fosse um circo de mim mesmo. Aliás, um circo não. Um verso. Enfim.
Bebo um copo d'água, ainda morna, e o deixo em cima da pia. Volto para o meu quarto, e já não há mais platéia.

28.1.07

O francês que falava com formigas

Às vezes, tenho a impressão de que palavras são proibidas. Digo, no sentido de alguns contextos específicos, ou mais precisamente, o contexto algum.
Posso ser mais claro. Parece haver uma espécie de barreira que me separa das pessoas aleatórias que andam no meio da rua e que, como uma polícia de palavras, me proíbe de falar. Ao menos, sem a autorização devida de uma boa desculpa burocrática, tal como "para que lado fica o ponto de ônibus?".
Em um filme, uma mulher esbarrava em um homem aleatório na rua e reclamava. — Eu não quero ser uma formiga. Formigas esbarram-se umas nas outras, dia após dia, sem tomar conhecimento de si. Não sei se a mulher do filme protestava contra a completo isolamento do indivíduo perante a multidão ao seu redor, ou se era contra a barreira invisível que separa o indivíduo aleatório do outro. Na dúvida, fico com a segunda possibilidade, que me convém.
Aliás, andar em silêncio no meio da multidão de anônimos que é a rua é como um ritual sagrado. Andamos na expectativa de não esperar por nada. Nenhuma interrupção em nosso passo-atrás-de-passo concentrado que se soma com pensamentos aleatórios que tentam, tanto quanto possível, ausentarem-se do mundo ao seu redor. Supõe-se que o mundo, ali, não interessa. Andar na rua é andar em lugar nenhum.
Daí minha surpresa quando, hoje, deparei-me com o francês. Estava com um amigo esperando por uma pizza quando ele veio, como se pudesse. Não tinha nenhum papel assinado pelo presidente da república, nenhuma autorização especial do governo. Nem mesmo um uniforme. Perguntou de onde éramos, como se rompesse uma bolha surreal. A bolha do apartheid entre o nós e o outro. É como se a visão periférica do olho quissesse invadir o foco central.
O choque foi menor do que eu pensava. Durou dois segundos. — Brasileiros, respondemos em bom inglês — lembrando que estamos em Toronto, cidade de qualquer país. Ele era magro, alto, cabelo talvez curto demais e um rosto que se aproximava do clichê francês, mas peculiar demais para um clichê. Falava em inglês difícil, com sotaque que, por azar, o fazia parecer uma espécie de geek. Sotaques não respeitam as personalidades, pensei comigo mesmo. Perguntou das nossas vidas e da política brasileira. Respondemos testando seu conhecimento de América Latina, dando-lhe uma chance para se encabular, enquanto perguntávamos sobre sua vida e a política na França. Nunca tivemos a expectativa de que saíssemos da superficialidade. Ele em nenhum momento justificou-se pela quebra do apartheid. Nós, não perguntamos. Falamos sobre aquilo que surgia, como que trazido pela maré das conversas sem pauta.
Conversamos por uma hora. Nos despedimos sem trocar contatos. A conversa aleatória não tem telefone. Está em toda parte. Foi embora e ainda pudemos ver andar, ao longe, o homem que transformava formigas em gente.

27.1.07

O Barão de Munchausen


As aventuras do barão de Munchausen. Filme do Terry Gilliam, mesmo diretor dos filmes do Monty Python e dos Doze Macacos. Munchausen é um idealista que subverte o racionalismo iluminista do século XVIII/XIX da Europa com suas fantasias anárquicas. Grandes monstros marítimos engolem os personagens, balões chegam a lua, cabeças lutam contra seus corpos em busca da onipotência.

É verdade, o iluminismo criou a ilusão de que conhecemos. Qualquer coisa além dos seus muros é imediatamente rotulada de ficção ou psicopatologia crônica.

Munchausen está certo. E no entanto... não me sinto preso.

26.1.07

Rindo para não deixar de existir...

"Dou uma volta pelos blogs, grandes egos, críticos do que não conhecem nem querem conhecer, de circunstâncias que ignoram, de vida convencional, folgada e composta. Mas de que se queixam? Deviam rir mais. Deles mesmos, até." misspearls.blogspot.com

Os blogs se misturam. Se entrelaçam. Se perdem uns nos outros tais como as personalidades de pessoas que não sabem mais quem são.

Enfim, resolvi trazer esse pedaço de blog para cá por me lembrar de um pedaço de um livro que está lá e que se juntou com um pedaço de idéia minha que está aqui.

As pessoas riem de si próprias. Verdade. Acho que é uma espécie de tentativa desesperada de continuarem existindo. Ao menos, existindo socialmente. Ou seja, existindo. Dizem que cada pessoa tem uma face, uma máscara, uma persona, para cada pedaço de conversa no qual podem vir a se trombar, nesses acidentes cotidianos que são os esbarrões de pessoas com pessoas. Você espera uma máscara do outro tanto quanto o outro espera uma máscara de você, e a vida não é mais do que conversas acidentais que podem ser perfeitamente metaforizadas em forma de grandes batalhas em que os soldados - nós - se degladiam - às vezes contra nós mesmos - para fazer de conta que nossas máscaras são reais. Não que não sejam. Não que haja algo por detrás da máscara. Não também que não haja.

E soldado que é soldado, perde. A diferença é que, ao contrário da guerra das armas, o soldado das palavras cicatriza sua máscara rindo da própria fala que o outro não autorizou. — Imagina, não foi isso o que eu quis dizer. Minhas palavras tortas são boas ao menos para o riso, mas, de fato, concordo contigo, senhor da razão. Como sempre.

O dia em que toda palavra for seguida de uma gargalhada, será um dia em que reconheceremos nossa incapacidade de dizer verdades.

25.1.07

Menino chinês de quatro anos mata 443 frangos a gritos


Sempre soube que, um dia, isso tinha que acontecer.

Um menino chinês de quatro anos de idade foi surpreendido à noite por um cachorro trazido pelo pai. Seu grito parece ter assustado os galos e galinhas de uma fazenda próxima, gerando um tumulto geral que resultou na morte de 443 aves pisoteadas. O dono pede indenização.

O dormitório destes galos e galinhas, por sua vez, certamente se encontrava mais do que superlotado para causar 443 mortes por pisoteamento. Contudo, nenhum representante aviário se pronunciou com pedidos de indenização ao dono.

O grito é uma forma bastante comum de resposta ao medo. Sentindo-se frágil perante uma ameaça maior, o grito tenta tornar o corpo maior do que si, demonstrar uma força que de fato não se tem e, assim, vencer uma batalha por meio de um blefe. O grito do menino chinês, porém, como uma bala perdida - ou, por que não, um berro perdido? -, parece ter se desviado. Galos e galinhas correram para salvar suas vidas já perdidas perante a ameaça de um berro igualmente perdido.

O medo faz guerra contra o próprio medo. Já diria Michael Moore, o medo é uma arma de destruição em massa. O grito do menino chinês é a bomba preventiva que cai no Iraque, ou a polícia que chega na casa de uma senhora aposentada para verificar se a fumaça de sua chaminé não seria de fato vestígio de uma usina nuclear clandestina. Parece que estamos gritando demais para as sombras, e as sombras podem acabar gritando de volta.

Não sei o que aconteceu com o cachorro.

Fonte original: Yahoo

O Barco de Papel

Esqueci de avisar que também escrevo contos. Ou, ao menos, conto aos outros que escrevo contos. Escrevi este nesses últimos dias, baseado nas minhas experiências recentes em Toronto, Canadá. Não sei se está pronto mas, por outro lado, nada está.

O Barco de Papel

Acho que às vezes a realidade simplesmente não me é suficiente. Não raramente, frustrado talvez com minha própria incapacidade de tocar o real que existe no mundo – como se o real fosse o representante da poesia no cotidiano – me encontro observando, com os olhos fixos, essas pitadas de realidade que o passo distraído do mundo nos dá, em seus quandos-em-quandos. No fundo, acho que não se trata de mais do que uma tentativa de auto-ilusão, acreditando ingenuamente que o simples ato de retirar a mim mesmo da distração hipnótica geral das manhãs de terça-feira far-me-ão tocar a realidade mais do que a letargia mental na qual antes me encontrava.

Talvez essa impressão seja dada pela sensação curiosa que esses momentos geralmente me passam. É como se estivesse a abrir os olhos, mesmo sob ordens supremas de mantê-los fechados, e me deparasse com uma multidão de pálpebras perfeitamente cerradas, seja por obediência complacente, seja pela esperança de um último retorno ao sono, antes de mais um dia de trabalho. É incrível, aliás, como a melhor forma se superar-se o tédio da sala de espera que é um ônibus ou um metrô – esses espaços de lugar-nenhum que invadem nossa existência com o único propósito de dela saírem o mais rápido possível –, pode ser muitas vezes a própria transformação desse tédio coletivo em espetáculo pessoal. O bocejo desinteressado do garoto olhando a neve caindo pela janela, o olhar semi-morto de um homem para lugar algum sem perceber que o terror de seu rosto não condiz com os pensamentos banais que passam por sua cabeça, ou a mulher que passa toda a viagem do metrô sem virar a página do livro que imagina estar lendo.

A meticulosidade de uma dessas mulheres uma vez me chamou a atenção. Ela tinha entrado no vagão do metrô com sua filha pequena segura pela mão, uma mala relativamente grande dependurada no pescoço cuja grife esportiva não parecia compatível com as roupas nem com o porte físico relativamente frágil da mãe, enquanto a outra mão se segurava à barra metálica do metrô, com o esforço reduzido possibilitado por anos de prática. Parecendo inconformada com a idéia de fazer do momento de locomoção entre um lugar real e outro lugar real – esse meio termo que forma o não-lugar – uma mera sala de espera, reduzindo-se com a massa à letargia de quem pausa à vida como a um filme, resolvera transformar o pequeno mundo em que se encontrava de pé com a filha no vagão relativamente lotado em uma sala de café-da-manhã. Retirava de sua mochila pedaços de pão e bolachas de potes especialmente preparados para tal ocasião, e o fazia com um cálculo de tempo e de movimentos de quem passou toda uma vida realizando aquele ritual pragmático. Segurava mais de um pacote entre os dedos da mesma mão que mantinha seu equilíbrio, enquanto usava a outra mão para alimentar a filha ou abrir a mala esportiva. Quando necessário, largava a barra metálica em momentos calculados, de quem parece ter nas mãos o controle do freio e da aceleração do próprio metrô.

Na saída, precisávamos andar rapidamente por uma longa escadaria para pegar a conexão com um segundo metrô em outra linha. Chegando à estação, lembro-me de não tê-la visto e, assim, imaginado que deveria naturalmente se demorar pois que carregava consigo toda a lentidão do peso das malas e da filha pequena. Vendo, porém, que o metrô levava alguns instantes a chegar, pensei mesmo que talvez ainda houvesse tempo para que as duas chegassem. Mas essa esperança se desfez em alguns segundos, com a visão das luzes do trem invadindo a estação, como de costume. Ao abrirem-se as portas para a entrada dos passageiros, dei uma última olhada para a boca da escadaria, na esperança de vê-las, em meio à multidão de passageiros atrasados, correndo exaltadamente com suas malas para alcançar o metrô. Ora, qual não foi a minha surpresa quando meu olhar topou, tão rápido quanto na instantaneidade de um susto, com a chegada de ambas que – destoando da massa que corria para não ter que ver sua sala de espera diária aumentada em mais dez minutos – se moviam calmamente, com o mesmo ritmo meticuloso e calculado de antes. Embarcaram no vagão dois segundos antes das portas se fecharem, sem que, por um único momento, parecessem ter se equivocado em seus cálculos diários.

Mas o cotidiano sonolento das salas de espera matinais jamais me pareceu tão próximo de esbarrar na poesia de sua camada mais profunda de realidade quanto o fora ontem. Encontrava-me sentado em um ônibus, quando, olhando para os lados em um de meus surtos de déficit de realidade, eis que deparo-me com uma garota asiática, por volta de seus onze anos, que se distraía fazendo um barquinho de papel. Não sei se foi a beleza da simplicidade do ato, ou se foi seu contexto que me cativou. Abro aqui um pequeno parênteses. Acho que quanto mais envelhecemos, mais o tempo transforma as pequenas belezas em grandes redundâncias. Não há espetáculo que resista a sua repetição constante, quase diária. Passamos a vida tentando superar a redundância, buscando no detalhe quase invisível, microscópico – literalmente, às vezes –, a beleza do jamais visto, o famigerado ‘novo’. Assim, se um ônibus pode ser considerado como um espetáculo auto-suficiente em sua primeira visita, transforma-se facilmente em redundância após seu uso quase diário, de modo que tentamos superá-la, seja por meio de aparelhos portáteis de som, seja por livros ou jornais, seja por meio do espetáculo de nós mesmos, em nossos próprios pensamentos. Mesmo essas pequenas saídas, porém, nem sempre são suficientes. A vida às vezes parece se transformar em um esforço diário pela criação do novo, e o mundo volta a sua existência para a função tão fútil quanto poética de causar espanto e estupefação em seus habitantes distraídos. O fato é que não haveria redundância sem a lembrança. A memória destroi a poesia.

A garota do barquinho, em seus ainda onze anos, provavelmente ainda não via em sua vida uma redundância tão grande quanto alguém de vinte. Se dava por satisfeita com o barquinho. Acho que a beleza da cena para um adulto está em ver justamente essa transformação, como que mágica, do simples em fantástico pelas mãos de uma criança. Eu mesmo, que nunca fui muito de me deixar cativar pela beleza fácil das crianças, achei mesmo sedutora a idéia de tentar capturar os olhos da garota, como que se eu pudesse assim apagar da minha memória todo o entulho de redundâncias que me impedia de enxergar o barquinho de papel enquanto barquinho de papel – ao invés de simples parte componente de um cenário temporário da minha vida por onde meus olhos passam, e não param. Continuo então a observá-la e, então, quase derramo lágrimas. Ela havia colocado o barquinho, cuidadosamente, no braço da cadeira do ônibus, deixando-o lá como a um enfeite em uma casa. Era como se percebesse, com uma sensibilidade do tamanho de um poeta morto, que todo o tédio do mundo se encontrava ali, naquele ônibus, que agora tentava ressignificar completamente com o único espetáculo que podia proporcionar. O barquinho de papel representava o fim da redundância. Ficaria lá, repousando serenamente nas marés do trânsito canadense, servindo de fogos de artifício para os olhares desatentos e incrédulos de quem anda nos ônibus da cidade de olhos fechados com pálpebras abertas, preparado para ver o mesmo ônibus, o mesmo banco, a mesma multidão com os mesmos traços genéricos. O barquinho parecia uma arma atômica na guerra contra a distração, passo primeiro em direção ao inédito. Tinha a impressão de que o mal-estar da sala de espera havia sido tamanho para a garota que, tendo encontrado no barquinho sua brilhante solução, sentia a necessidade de compartilhá-lo com o mundo ao seu redor. O pedaço de papel ali repousaria para a contemplação da eternidade.

Ao chegar em sua parada, a garota levantou-se. Amassou nas mãos o barquinho de papel e desceu os dois degraus do ônibus de forma automática. Uma mulher alta, de meia-idade, sentou em seu lugar e, prevendo uma longa viagem, tirou um livro da bolsa. Não me interessei em ler o nome.

Toronto. Janeiro, 2007.

Sobre a Pálpebra ou Mito fundador deste blog.

Pálpebra.

do Lat. palpebra
s. f.,
membrana pregueada revestida de pele que protege e cobre exteriormente os olhos de alguns vertebrados, sendo uma superior (só esta se pode considerar móvel no ser humano) e outra inferior. (Dicionário Priberam)

Ao contrário do que prega o dicionário com suas ideologias confusas, porém, a proteção concedida pela pálpebra pode não ser mais do que reles ilusão...

"Meus berros silenciosos não acordam ninguém
enquanto meus olhos fechados são traídos
pela transparência de suas pálpebras." (Eu).

...apesar de outros ainda acreditarem em sua glória na eterna batalha contra o algo...

"Uma pálpebra,
Mais uma, mais outras,
Enfim, dezenas
De pálpebras sobre pálpebras
Tentando fazer
Das minhas trevas
Alguma coisa a mais
Que lágrimas." (Leminski).

Mas o dicionário tem uma certa razão. A pálpebra "protege e cobre exteriormente os olhos de alguns vertebrados". Exteriormente. Estou ainda a esperar pela pálpebra interna que irá proteger-me contra minhas próprias trevas — muito mais infinitas que o Sol.