11.11.08

Informações pessoais


"Tiende a vestir de negro, de gris, de pardo. Nunca se lo ha visto con un traje completo. Hay quienes afirman que tiene tres pero que combina invariablemente el saco de uno con el pantalón de otro. No sería difícil verificar esto".

Sou do Rio de Janeiro, filho de mãe cearense com pai gaúcho, que trabalhava com análise de sistemas até ser chamado para a guerra do Golfo, de onde nunca mais voltou. Minha mãe era solteira e me criou sozinho em um casebre em Ipatinga no interior de Minas Gerais, onde em geral vivíamos de uma pequena porção de dois pães de queijo diários que recebíamos em troca de mão-de-obra em uma plantação de cana-de-açúcar, de onde fugi aos doze anos para virar trapezista infantil em um circo finlandês que fazia um tour pela região rumo a Jacarepaguá. Lá encontrei meu pai que era contador e que foi quem me ensinou várias formas de burlar a receita federal que utilizei incessantemente até os trinta e dois anos, quando fui delatado por uma garota moçambicana que conheci em um vôo para o Marrocos e com quem me casei dois dias depois, após cinco anos de noivado em que adiamos nosso casamento inúmeras vezes devido a guerra dos Bálcãs ou por causa da chuva. Fui caminhoneiro na península ibérica durante a adolescência levando carregamentos de munição bélica para uma empresa ucraniana clandestina de produção de confetes coloridos da qual minha mãe foi CEO por cinco anos e meio. Passei minha infância no norte de um país da ex-união soviética do qual agora não me lembro o nome e vim para o Brasil somente a três meses atrás, e desde então venho tendo aulas de português intensivo com enorme sucesso, praticando diariamente através de cartas poéticas que troco com uma paixão minha de Goiânia que jamais vi, e que conheci no meio de uma multidão em um concerto de Philip Glass no sul da Austrália dois meses antes de nosso primeiro beijo em um bar na beira de uma rodoviária federal ao sul do Amapá onde ela ganhava alguns trocados como vidente e previu que eu morreria de morte violenta no dia 2 de agosto de 2089 logo após terminar meu bacharel em Antropologia pela Universidade de Brasília e provavelmente por efeito de drogas alucinógenas que havia tomado na noite anterior para escrever um grande livro de 734 páginas que dedicava inteiramente a uma garota que havia conhecido em um grande jardim de pés de figo na França e que vivia de esmolas que recebia de descendentes diretos da aristocracia do Faubourg Saint-Germain e que servia para sustentar seus sete filhos e mais uma mansão ao sul do país. Passei onze anos e sete meses da minha vida alimentando-me somente de chá preto e biscoitos até que resolvi comer cinco pizzas de calabresa com anchovas sem razão nenhuma. Sou vegetariano desde que me formei em agronomia em Bratislava e desde então tenho mantido no quintal de casa uma plantação de praticamente tudo o que se pode comer e que vai até mais ou menos o horizonte ou aquela região onde a vista alcança. Uma vez fiquei sem palavras por não saber como utilizá-las se não fosse em forma de soneto. Sou exatamente quem você pensa que eu sou. Semana passada, passei cinco dias e meia hora escrevendo longamente sobre um muro de uma mansão no sul do Mato Grosso do Sul até que todas as frases estivessem sobrepostas de tal forma que formassem um imenso muro negro ônix. Um dia, já fui ninguém, por quatro ou cinco horas, até que isso passou e agora só volta esporadicamente, quando esqueço de me medicar. Passei vinte e poucos anos, ou foram trinta, isolado no topo de uma montanha muito muito alta em um cume nevado ao leste de um desses países de forma trapezoidal para filmar um documentário sobre o restante do planeta e a vida de todos os seres humanos, a exceção de uma pessoa no centro-oeste brasileiro sobre a qual nada sei. Desde que voltei, tenho trabalhado em uma fábrica de barbantes coloridos no noroeste do Chile a cinco pesos e meio por mês onde passo o tempo conversando com uma operária equatoriana sobre os últimos desdobramentos do movimento de translação de Óreon em relação a via láctea e desde então tenho tentado com pouco sucesso saber mais detalhes de sua vida pessoal fazendo uso somente de vocabulário astronômico, dado meu conhecimento parco de língua quéchua. Fui feliz em nove de dezembro de 1952, mas desde então isso tem sido raro. Trabalhei como secretário de Lech Walesa na Polônia e escrevia todos os seus discursos e falas desde os seus sete anos de idade até ser demitido por deixar mensagens subliminares sobre mim mesmo em meus próprios discursos e que levariam a um golpe estatal meu sobre a minha pessoa. Recebi ontem a penúltima edição do Correio Braziliense antes do fim da série, mas já imagino que o mocinho morra no final. Passei a infância assistindo televisão no canal de teste de cores todas as manhãs antes de ir para a escola e desde então tenho dificuldades para respirar quando não estou diante de um arco-íris. Um médico neozelandês detectou em mim uma doença congênita que me levará a morte em cinquenta e oito anos pelo excesso do uso de vírgulas no meio das frases. Trombei contigo hoje no café da manhã, por isso a mancha na sua blusa. Cursei artes cênicas na Bélgica por sete anos e cheguei ao auge da minha carreira participando dos três filmes da trilogia das cores do Kieslowski fazendo o papel da idosa que era incapaz de jogar o lixo no lixo durante o curto período de cinco segundos em que aparecia, sendo que cerca de 203 pessoas no planeta tomaram conhecimento de que a cena se repetia nos três filmes, isso ao menos de acordo com os dados atualizados até ontem. Faço bolinhas de papel e jogo para o alto para saber aonde vão cair, às vezes provocando acidentes aéreos como os da semana passada, que deixaram três milhões e meio de mortos e uma pessoa se molhando apesar do guarda-chuva, mas parece que ela não se importa. Minhas canetas costumam secar antes que a tinta acabe. Neste instante há uma parede branca em minha frente. Não sei o que há atrás de mim, mas vou olhar.

3 Comments:

Blogger Jess said...

R.,

já que assim estamos, .



por onde eu me fiz criar:

http://color-idades.blogpost.com


p.s.: um porta-vírgulas.

12 novembro, 2008  
Blogger Luíza Helena said...

Depois de 2 minutos o texto começa a piscar nos meus olhos enquanto leio, de modo a se tornar dinâmico e luminoso, tipo a torre eiffel à noite. Isso me fez lembrar que tive de deixar Paris para passar pela triste Antuérpia, depois de 2 horas esperando o motorista aparecer em Bruxelas. Tudo estava tão cheio de tijolos e árvores podadas... me senti podada também. Resolvi lixar as unhas. Voltei a ler o texto intermitente. É isso tudo. Gostei. Abs.

14 novembro, 2008  
Blogger Jess said...

R.,

tenho que confessar algo.
Quando você demora a responder, acho que meu corpo inteiro incha. De saudade.
O que não é justo. Minhas respostas sempre demoram a chegar. Mas é que me sinto tão dentro de você, que a palavra teima em ser sempre aquela que já saiu da sua mão.

uma jota inchada,

J.

27 novembro, 2008  

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